sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Mais uma da língua portuguesa


Essa vem dos idos de 1992, tempo em que o Jô Soares tinha coluna na Veja. A edição era a de 30 de setembro e o bochicho da época era sobre um certo político ter-se referido a outro (não lembro quem eram os personagens) como um "bonifrate" - e ter, com isso, obrigado muita gente a consultar o pai-dos-burros (apelido carinhosamente estúpido que se dava ao dicionário quando meus pais eram adolescentes). O Jô se colocou no lugar do político e escreveu uma "carta aberta" sobre o alvoroço com a palavra usada.
Não sou admirador do Jô, mas esse texto particularmente considero memorável.

Será o bonifrate?
por Jô Soares

Quedei-me incrédulo ante a conspicuidade que prestaram ao termo "bonifrate", do qual me servi durante acepipes e pitéus deglutidos por ocasião da efeméride no habitáculo do dileto correligionário Onaireves. Por que tamanho pasmo? Acaso seria eu totalmente ignaro do vernáculo? Pensam os que clamam contra mim que só frequento valhacouto de palpalvos onde o xulo é primaz? Triste falácia. Sou douto palrador. Apenas, por vezes, oculto a plêaiade do meu verbo, plectro puro, por natural recato. Deleito-me ao refletir no semblante alvar dos malquistados, se me ouvissem brindar com mais vocábulos a malta platípode que repilo. Assombram-se com o bonifrate, que tal casquilho? Casquilho, sim, tem jetatura. Julga massar-me a chusma abostelada. Recolham-se! Da minha boca jamais ouvirão linguajar de bolicheiro.
Indago, o que mais fácil: praticar choldraboldra em passeatas crepitosas ou cultuar a última flor do lácio inculta e bela? A pureza da lingua é meu colunelo. Bonifrate, disse, e não burlei cânones de escribas. Faz parte de meu colóquio hodierno: como estarola, óbice e bolônio. Perde em estesia a farândula e seu ódio esgueia-se em fina gaivagem. Aos que imaginam que sou galucho, respondo com o galarim do estilo. Apraz-me a condição de turgimão do esdrúxulo. Não galreio com lapuzice a não ser quando quero igualar-me à luna. Pouco caso dos néscios que não percebem o néctar de expressões para mim prezáveis, pois uma pinhoca só não faz parreira. Pimpem, pimpem, aldrabões! Não me aceitam magniloquente, por receio do cortejo. É mister que pletora erudita de uns seja a carência mísera de outros. Nem sei por que abespinhar-me, quando no fundo não passam de biltres, bucéfalos e calaceiros. Reles bufarinheiros.
Quanto a mim, conduzo a veação com rédea firme. Não tremeluz a mão que exerce o oficio. Ao contrário do que dizem os que me asseteiam, sou imune à bajulação dos áulicos. Com o intuito de denegerir-me, os pérfilos enliçadores formam sodalícios, contubérnios, conventículos e corrilhos numa pandilha de telérrimos, salardanas. Aleivosias não desenastrarão alianças e com maranduvas não evitarão minha manutenência soberana. Pensam-na esmadrigada? Há! Há! Desato numa casquinada. Enfim, repito: contra mim, estão os sevandijas, bulhentos, sardanapalescos, pirangas, caramboleros, pecos e bolônios. O mais é dichote.
Basta de cherinóia.


Relendo o texto, vem-me à lembrança ainda outro episódio, este de 1997, quando fui, em excursão de alunos do ITA, assistir a gravações para o programa de entrevistas do Jô. Ocorreu que nesse dia uma das entrevistadas era uma linguista que estava lançando um novo dicionário da língua portuguesa. O Jô então "desafiou" a plateia a dizer o significado de algumas palavras que ele escolhera. Queria, como de costume, exibir-se e acusar de ignorantes as demais pessoas. Acabou escolhendo nosso sábio colega Gustavo Arruda e perguntou-lhe um significado:
- Sorumbático.
Ao que o Gustavo não titubeou:
- Macambúzio.

4 comentários:

  1. oque quer dizer o Onaireves do texto ?

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  2. Os políticos em questão foram o ex-presidente Collor e o deputado Ulysses Guimarães! :)

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  3. O "Onaireves" era o deputado Onaireves Moura, que apoiava Collor e o recebeu em sua casa.

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